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sábado, 22 de julho de 2023

Calma - A retribuição

Hoje em meu culto do Evangelho, ao ler mensagem “A retribuição” (Fonte Viva, Chico/Emmanuel), levei um susto. Se eu estivesse na alfabetização, a professora diria que foi um estalo (a gente chama isso para o exato momento em que a criança olha para o quadro, para a folha e consegue, ao juntar as letras, ler a primeira palavra), ouso dizer, um estalo paradoxal.

A pergunta inicial era: “Pedro disse-lhe: e nós que deixamos tudo e te seguimos, que receberemos?” (Mt. 19:27) Acredito que não foi Pedro e nem eu a única mortal sobre esse planetinha azul que muitas vezes se pegou e pega esperando a retribuição divina ou humana. Penso ser ainda da condição humana, ou melhor, dizendo, do nível evolutivo em que nos encontramos. Pois bem, Emmanuel, como sempre usando a natureza para explicar, mostrou explicações extremamente paradoxais que seriam mais ou menos assim: “a retribuição de seu esforço em amar, evoluir, ser feliz é o servir, enxergar o outro”. Muita calma nessa hora! E eu? 

No Evangelho encontramos: “No seu ponto de partida, o homem só tem instintos; mais avançado e corrompido, só tem sensações; mais instruído e purificado, tem sentimentos; e o amor é o requinte do sentimento”.

Bom, podemos olhar ao nosso redor e observar...  Existem pessoas, parece que muito mais agora, as hedonistas, que transitam entre o instinto e as sensações, e dá-lhes mais sensações. Possuem ou lutam por possuir bens, pessoas, status, poder. Para essas pessoas nada é suficiente. Em seu egoísmo e orgulho jamais assumirão publicamente que têm um imenso buraco negro em seu ser; falta algo e isso as impulsiona a querer cada vez mais ir à busca das mesmas sensações que a materialidade supre momentaneamente. É como droga, sexo, bebida, comida, jogo, poder e todos os vícios de caráter. Matamos e morremos por eles, mas o buraco fica ali denunciando que falta algo...

De repente o estalo, já na exaustão do sofrimento e do cansaço, o homem começa a perceber que existe o outro independente dele. Penso que esse olhar começa quando olhamos pela primeira vez um filho, um ser vivente para além de nós e, mesmo ainda sendo egoístas e orgulhosos, sentimos a vontade de proteger; abrimos espaço em nosso centro para esse ser entrar. Começamos a dividir genuinamente. Estamos engatinhando para os sentimentos. É claro que se na natureza as transformações não acontecem aos saltos, conosco não será diferente, ainda lutaremos com unhas e dentes pelas mesmas coisas de antes e nosso amado será a desculpa. Quem já não ouviu a frase: Faço tudo por meus filhos! Morro por ele, ela! Trabalho para dar garantias! E por aí afora?

Nessa fase entre dois mundos, na transição, tudo fica misturado e ainda, sendo seres extremamente egoístas e orgulhosos, queremos que o outro siga as regras de nossa cartilha. Como o outro ainda é extensão do meu ser, não posso permitir que ele construa do jeito que ele quiser e souber sua existência, sua trajetória, sua felicidade. Daí os grandes conflitos entre gerações, pais e filhos, famílias.

O mais engraçado, tragicômico, é que antes as cruzadas eram com derramamento de sangue, agora são com derramamento de prisões psicológicas e a coisa se complica com as inversões de papéis quando reencarnamos. Aquele que oprimia passa a ser o opressor... E a confusão não vai ter fim?

“Pedro disse-lhe: e nós que deixamos tudo e te seguimos, que receberemos?” Notemos que Pedro é claro quando diz: “nós que deixamos tudo”. Novamente o estalo! O que de fato eu deixei? O que de fato eu me desapeguei? Qual foi meu esforço para sair de mim? Quando foi que o planetinha azul parou de girar ao meu redor? Quando foi que minha felicidade já não estava atrelada à obrigação do outro fazer-me feliz, servir-me, seguir minhas vontades e desmandos?

O mais surpreendente é que não consigo lembrar-me na literatura espírita, no Evangelho, nas Leis divinas, nenhum exemplo em que a Espiritualidade Maior, Jesus, Deus atrelam sua felicidade, sua evolução, perfeição - no caso de Deus, e responsabilidade a esse insignificante ser que sou.

Vejo, sim, pesar, tristeza, não porque eles não conseguem ser felizes por causa de minha birra, infelicidade, imperfeição, mas porque eles sabem que ainda me debato, parada lá atrás na guerra entre instinto e sensação. Que, como bebê, ainda me arrasto, engatinho, porque arrogante, não seguro nas mãos das leis divinas, para dar o impulso de levantar-me e sair caminhando de mãos dadas com Eles.

Daí parece estar fechando um ciclo, quando eu de fato solto, deixo tudo, cada coisa vai pro seu lugar e, ao fazer isso, olho o outro com compaixão, amor, respeito e, mesmo com pesar, deixo-o seguir e construir seu caminho.

Meu papel de provedor/controlador passa a ser aquele que segue ao lado, note, ao lado, construindo minha evolução e felicidade independentemente da escolha do outro. Com a sensação de que da mesma forma que a Espiritualidade Maior compreende meu nível evolutivo, eu também já consigo tentar seguir o exemplo: estar ao lado para intuir (para nós encarnados, dar orientação ou conselho, quando solicitados), amparar a queda, pegar no colo, soprar as feridas, mas colocar novamente no chão para que nosso amado siga com sua evolução individual. Isso é servir!

E com convicção de alma (espírito encarnado), o paradoxo torna-se um ciclo perfeito e não há melhor definição de amor, não há lei mais perfeita, do que “Fazer ao outro o que quero que o outro faça para mim!”.

 Darlene Caires – A retribuição – O Consolador – Nº 407 – 29/03/2015


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